5.14.2011

Florbela Espanca: O meu mal

eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
eu sei o nome ao meu estranho mal:
eu sei que fui a renda dum vitral,
que fui cipreste, caravela, dor!

fui tudo que no mundo há de maior:
fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
e fui, talvez, um verso de Nerval,
ou um cínico riso de Chamfort...

fui a heráldica flor de agrestes cardos,
deram as minhas mãos aroma aos nardos...
deu cor ao eloendro minha boca...

ah! de Boadbil fui lágrima na Espanha!
e foi de lá que eu trouxe essa ânsia estranha,
mágoa não sei de quê! saudade louca!

Florbela Espanca: Fumo

longe de ti são ermos os caminhos,
longe de ti não há luar nem rosas;
longe de ti há noites silenciosas,
há dias sem calor, beirais sem ninhos!

meus olhos são dois velhos pobrezinhos
perdidos pelas noites invernosas...
abertos, sonham mãos cariciosas,
tuas mãos doces plenas de carinhos!

os dias são Outonos: choram... choram...
há crisântemos roxos que descoram...
há murmúrios dolentes de segredos...

invoco o nosso sonho! estendo os braços!
e ele é, ó meu amor pelos espaços,
fumo leve que foge entre os meus dedos...

Florebela Espanca: O que tu és

és aquela que tudo entristece
irrita e amargura, tudo humilha;
aquela a quem a Mágoa chamou filha;
a que aos homens e a Deus nada merece.

aquela que o sol claro entenebrece
a que nem sabe a estrada que ora trilha,
que nem um lindo amor de maravilha
sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

Mar-Morto sem maréns nem ondas largas,
a rastejar no chão como as mendigas,
todo feito de lágrimas amargas!

és ano que não teve Primavera...
ah! não seres como outras raparigas
ó Princesa Encantada da Quimera!

5.11.2011

Florbela Espanca: Ambiciosa

Ambiciosa

Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada!
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!...